Nossa Senhora da Graça em S. Pedro de Manteigas
Por Joaquim Teles Sampaio
A Lenda na voz do povo
Vem de tempos imemoriais a lenda que ecoa na voz do povo de que a imagem de Nossa Senhora da Graça foi encontrada num silvado, apresentando uma arranhadela de silva que ninguém conseguia apagar; que a imagem transpirava, apresentando estranha humidade que era necessário limpar, com frequência. A tradição atribui-lhe uma milagrosa intervenção a favor de uns navegantes que, surpreendidos em alto mar, por forte tempestade que os ameaçava submergir tendo implorado a protecção divina, em hora tão aflitiva, lhes apareceu Nossa Senhora que, sorrindo-lhes, os conduziu a porto seguro. A tradição, envolta em lenda, acrescenta que os ditos navegantes teriam vindo encontrar aqui, nas faldas da Serra da Estrela, exactamente a mesma imagem que lhes tinha sorrido no alto mar. Não demoraram a levantar-lhe altar e prestar culto e fervorosa devoção. Talvez a letra de alguns cânticos actuais tenha raízes na lenda:
Vês a tempestade
Sobre nós pender
Por tua piedade
Nos vem defender.
Se nuvem sombria S’estende no ar
Dissipa-a, Maria
Com o teu olhar.
Na longa agonia
Do seu navegar,
O nauta confia
Na Estrela do Mar.
As ondas amansa Senhora, lhe diz:
Conduz-m’em bonança
A porto feliz. (1)
A verdade histórica
Em 1757, dois anos após o terramoto que devastou Lisboa, o padre oratoriano Luís Cardoso, membro da Academia Real da História, que há vinte anos atrás solicitava informações aos párocos das cidades, vilas e lugares para elaborar o Dicionário Geográfico do Reino de Portugal, pediu à Secretaria de Estado para obter dos mesmos párocos “Novas Descrições das suas freguesias com aquelas escrupulosas miudezas” que lhes diziam respeito.
O Marquês de Pombal atendeu o seu pedido e mandou fazer “interrogatórios” com a indicação concreta: “O que se pretende saber dessa terra”.
Deviam os párocos responder, em letra legível e sem breves, a um importante questionário, dividido em três partes. O ponto sete da primeira parte, referindo-se à igreja, pedia informações claras sobre o orago, o número de altares e a que santos pertenciam. (2)
O então vigário de São Pedro de Manteigas, padre Manuel Barbas de Morais, respondeu a este “interrogatório”, dizendo: “A igreja de São Pedro tem cinco altares, o maior é o do Santíssimo, os colaterais um é do Senhor Jesus e outro da Senhora da Graça e os outros dois Almas e Santo António”. (3)
Se em 1757 já existia o altar de Nossa Senhora da Graça, é de supor que o culto e devoção já fossem notórios e viessem de tempos mais remotos.
Em 1321 havia já em Manteigas duas paróquias, uma vez que as igrejas de Santa Maria e de São Pedro figuram no Catálogo das igrejas, comendas e mosteiros existentes em Portugal em 1320, catálogo publicado por Fortunato de Almeida. Na frontaria principal da igreja de São Pedro está uma imagem, em Pedra de Ançã dos fins do século XIV.
O culto a Nossa Senhora da Graça no país e na diocese da Guarda
Em Portugal, mais de uma centena de paróquias têm como orago Nossa Senhora da Graça. Na diocese da Guarda, a mais graciana de todas, Ela é padroeira de dezoito paróquias: Avelãs da Ribeira (Guarda), Castanheira (Trancoso), Castelo Novo, Fiães, Fomotelheiro, Freches, Gonçalbocas, Nespereira, Póvoa do Concelho, Rio de Mel, Sobral da Serra, Sorval, Valverde, Vale de Mouro, Vascoveiro, Vela, Vila Ruiva e Vilares.
Não falamos das paróquias, e são muitas, que não tendo Nossa Senhora da Graça por patrono, têm, nas suas igrejas e capelas, a sua imagem, consagram-lhe altares, prestam-lhe culto, e celebram, com grande pompa, festividades a que acorrem romeiros vindos de muito longe, como é o caso de Nossa Senhora da Graça de São Pedro de Manteigas. Sendo naturalmente São Pedro o orago da paróquia que lhe dá o nome, a festividade de maior solenidade e a devoção mais arreigada na população é em honra e louvor de Nossa Senhora da Graça. O mesmo acontece em muitas paróquias do país e desta diocese.
A devoção popular
Dizem os mais idosos o que ouviram aos seus avós: que em fins do século dezanove e até meados do século vinte vinham, de longínquas paragens, peregrinos a pé, atravessando a Serra; que nos dias seis e sete, nove e dez de Setembro (porque a festa é no dia oito) se viam ao longe grandiosas procissões de gente que vinha de Gouveia, Seia, Sabugueiro, Loriga, São Romão, Unhais da Serra, Covilhã, Verdelhos e naturalmente de mais perto: Valhelhas, Vale de Amoreira e Sameiro, para cumprirem promessas feitas à Nossa Senhora da Graça em horas de aflição.
Alguns afirmam que, em data incerta, Nossa Senhora teria curado miraculosamente uma jovem paralítica, que de longe, aqui teria sido trazida. Não conseguimos avaliar, neste caso, se mais pesa a lenda que a realidade.
Mais certa, porque mais próxima, é a notícia que diz que em tempos do senhor padre Frade, vigário nos princípios do século vinte, chovendo torrencialmente à hora de sair a procissão, ele terá dito: “Nossa Senhora não tem medo da chuva; podemos sair para a rua”. O povo obedeceu, e quando a imagem da Senhora chegou à porta grande da Igreja e saiu à rua, a chuva parou, de imediato, e o sol brilhou como primavera – dizem e atribuem intervenção divina.
O culto a Nossa Senhora das Graças e as aparições a Santa Catarina Labouré.
O culto e devoção a Nossa Senhora da Graça tomaram uma relevância maior após as aparições a Santa Catarina Labouré em 1830, na Rue du Bac, em Paris.
Catarina Labouré foi uma religiosa da Congregação das Filhas da Caridade de S. Vicente de Paulo (vicentina), a quem a Virgem Maria se revelou como Nossa Senhora das Graças. A Senhora pediu-lhe que mandasse cunhar uma medalha (a Medalha Milagrosa), prometendo abundantes graças aos que a trouxessem consigo, com confiança. Seria um sinal da sua presença e das suas bênçãos. Em pouco tempo esta medalha espalhou-se por todo o mundo, de tal modo que passados seis anos já se tinham cunhado 15 milhões e em 1842 o número subia para cem milhões. (4)
Nossa Senhora da Graça na cidade de Benguela, Angola
Manteigas teve sempre grande número de emigrantes que se fixaram em Angola, em grupo muito numeroso na zona de Lobito-Benguela. A sua grande devoção a Nossa Senhora da Graça, que levaram da sua terra natal, incentivou-os a construírem uma capela sita num dos flancos da cidade, mais precisamente no Cavaco, em morro sobranceiro à estrada Lobito-Benguela.
Encomendaram uma imagem que fosse exactamente o retrato fiel da que se venera em Manteigas e em oito de Setembro de 1960 assistiu-se a uma procissão singular: nela participaram duas imagens iguais de Nossa Senhora da Graça – a de são Pedro de Manteigas e a da reprodução respectiva destinada a Benguela. A segunda deu volta à vila como que a recolher saudações de quem quisesse ser portadora para os manteiguenses de Angola.
A imagem foi solenemente recebida no Lobito, a 21 de Novembro de 1960 e entregue à Comissão representante da Comunidade manteiguense. Lobito, Benguela e Catumbela quiseram que a imagem lhes percorresse as ruas. E só depois recolheu à igreja do Pópulo, em Benguela, até à noite do dia 7 de Dezembro. Nessa tarde foi benzida a capela que toma o nome de Nossa Senhora da Graça e entronizada a respectiva imagem. A própria zona do Cavaco se chama agora “ A Graça”. Ali se celebram em homenagem a Nossa Senhora festejos semelhantes aos de Manteigas. (5)
É hoje uma grande paróquia com um santuário que congrega multidões de fiéis.
Joaquim T. Sampaio
(1) Duarte, José Lucas Baptista, Depoimentos Histórico-Etnográficos sobre Manteigas e Sameiro, Edição da Câmara Municipal de Manteigas, 1985.
(2) Serrão, Joaquim Veríssimo, História de Portugal 1750-1807, Editorial Verbo vol. VI, pág. 104
(3) Do Dicionário Geográfico – Ms da Torre do Tombo – Tomo 22, pág.319
(4) Santos, Armando Alexandre dos – A Verdadeira História da Medalha Milagrosa – Civilização Editora, 2000, pág.9
(5) Senhora da Graça 7-8-9, Dezembro – Benguela 1973, págs. 87, 88
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